Sergio Cruz Lima

Catete ao café-com-leite

Sergio Cruz Lima
Presidente da Bibliotheca Pública Pelotense
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Confesso-me aturdido. Diante das falas estapafúrdias e gestos desconexos do presidente Lula, não sei se o qualifico como histrião, hipócrita, harpagão, hidrófobo ou histérico. A História Pátria o dirá. Mas sigo em frente. E hoje escrevo não sobre o sexo dos anjos, como sou tentado a fazê-lo, mas encontro guarida nas cabeças encanecidas dos chefes da velha república do café-com-leite.

Na Velha República, república do café-com-leite ou república dos bacharéis, em que se alternavam na Presidência políticos conservadores e às vezes até notórios ex-monarquistas e ex-senhores de escravos, imperou, na maior parte do tempo, a melhor relação entre o chefe de Estado e a imprensa. Uma imprensa mais ingênua, um poder menos ameaçado _ a tranquilidade provinciana da republiqueta em que todos se conhecem. Todos? Nem todos. O zé-povinho, eterno anônimo, também está nas páginas dos jornais, no anedotário, frequentador assíduo da coluna policial, contaminada por interpretações racistas e/ou elitistas. É também o personagem central da página de aberrações da natureza, cúmplice da anomalia, portador do bócio, pai das "crianças de duas cabeças e de corpo de cobra", resultantes, se dizia, do processo de miscigenação de raças. Mas frequenta, também, a caricatura de Storni, Kalixto, Lobão e Yantok. Aparecem, então, a ingênua mulata de fala arrevesada, o portuga do botequim, o sem-casa do "bota-abaixo" rogando moradia. Todos eles fundidos na classificação geral de "zé-povo", que chama o presidente de "papai-grande", reeditando o doce e paternal autoritarismo dos tempos de dom Pedro II, o "Papai Pedro".

O Malho, de 9 de julho de 1904, escreve: "Eh! Eh! O tá prefeito tá danado pra botá casa abaixo! Quá! É só no centro da cidade, as casas dos graúdos. Nóis cá no Jogo da Bola podemos descansá e drumi assucegados tá quá o Papá Grande lá do Catete, se Deus quizé".

Após os dois primeiros governos militares - Deodoro e Floriano - seguiu-se o período do café-com-leite, assim nominado porque, como cantava Noel Rosa, "São Paulo dá café, Minas dá leite e a Vila Isabel dá samba..." E, como o samba da Vila nunca fez presidente, era o café que mandava na política tupiniquim. O grão, principal produto de exportação do País, tinha São Paulo como seu maior produtor. E, se o leite que abastecia boa parte do Brasil vinha das Minas Gerais, era de lá também a segunda maior produção de café. É por isso que os dois estados detinham a maior fatia do poder político e os presidentes na Primeira República eram, quase sempre, ora de Minas, ora de São Paulo, justificando assim o nome: República do café-com-leite. Em 1930, o gaúcho Getúlio Vargas, ao derrubar Washington Luís, acabara com a farra.

Mas a Velha República teve outros nomes que, por momentos, obnubilaram a imagem presidencial: Francisco Glicério, eminência parda do governo Prudente de Moraes; Pereira Passos, o Haussmann brasileiro, remodelador da capital federal; o barão do Rio Branco, charmoso e agigantado, dez anos chanceler do Brasil; Pinheiro Machado, intrépido caudilho gaúcho, senhor do mando na gestão Hermes da Fonseca; Rui Barbosa, erudito e civilista, eterno candidato ao Catete.

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